O valor financeiro da vida...
Acidentes de trabalho e de viação
As vítimas de acidentes de trabalho e de viação esperam normalmente entre três a quatro anos para ver um processo concluído e receber uma indemnização, quando os casos vão a tribunal.
Mas nos acidentes laborais há sinistrados que não chegam sequer a ser compensados financeiramente pelos danos sofridos porque as seguradoras alegam que as empresas não cumpriam as regras de higiene e segurança e as empresas abrem de imediato falência.
Em 2006, ano do estudo, houve mais de 200 mil acidentes de trabalho (Ricardo Castelo/NFactos)
Este é o retrato de uma área da justiça quase desconhecida em Portugal, em que predomina uma "desprotecção estrutural na parte mais vulnerável" da sociedade, sintetiza Boaventura Sousa Santos, coordenador do projecto de investigação...
http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/A_indemnizacao_da_vida_e_do_corpo.PDF
... Durante três anos, uma equipa do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra entrevistou vários intervenientes nesta área (magistrados, advogados, peritos médico-legais, profissionais de seguros, dos sindicatos, etc.), recolheu testemunhos de vítimas de acidentes, analisou uma amostra aleatória de 150 processos judiciais de acidentes de trabalho e de viação julgados em tribunais das comarcas de Braga e Coimbra, e olhou para a jurisprudência dos tribunais superiores.
Para além da morosidade da justiça - os resultados das perícias médico-legais demoram "pelo menos um ano", a marcação das audiências de julgamento é lenta, o que provoca um arrastar dos processos nos tribunais -, este estudo qualitativo evidencia que o impacto económico do acidente no sinistrado é muito maior no caso dos trabalhadores que recebem menos, porque o valor da indemnização é calculado com base no salário (perda de capacidade de ganho).
O que leva os investigadores a concluir que "os tribunais não só reproduzem como agravam as desigualdades sociais".
O estudo destaca as consequências dos acidentes de trabalho, porque nos acidentes de viação todos os danos são indemnizáveis (patrimoniais e não patrimoniais, nomeadamente psicológicos, estéticos, etc.), enquanto nos primeiros a indemnização depende apenas da remuneração do sinistrado.
"O trabalhador só vale aquilo que vale para a produção, para a empresa.
E as indemnizações em geral são baixas porque os salários são baixos", sintetiza Boaventura Sousa Santos.
Os autores do estudo recomendam, assim, que deve haver uma bonificação da reparação para os trabalhadores que ganham menos.
Percebe-se ainda que muitas das situações de acidente de trabalho afectam especialmente trabalhadores em situação de precariedade contratual "em empresas de reduzida dimensão, descapitalizadas, muitas delas em falência técnica" e "não raras vezes sem seguro".
Num contexto destes, os acidentes produzem um "efeito devastador na família".
E, apesar de não faltarem as normas para regular esta área, não há mecanismos que impeçam o exercício laboral sem seguro.
Também se verificam "hiatos de protecção", períodos alargados em que os sinistrados pura e simplesmente não recebem.
Os investigadores propõem, a propósito, que o Estado assuma os deveres da seguradora, quando não há seguros.
Outro fenómeno evidenciado é o da "predominância e do poder" das seguradoras, o que é "pouco conhecido em Portugal", segundo Boaventura Sousa Santos. "São os interesses mais organizados, são lobbies", nota.
Neste contexto, os investigadores chamam a atenção para a proposta da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), que pretende a diminuição das indemnizações relativas às pequenas incapacidades garantindo, como contrapartida, a melhoria da indemnização dos grandes incapacitados.
O problema é que, explica Boaventura Sousa Santos, as pequenas incapacidades constituem a maior parte dos casos.
A APS propôs ainda que, no caso dos acidentes de trabalho de que resultem incapacidades inferiores a 20 por cento (cerca de 70 por cento do total), as companhias já não necessitem de os participar ao Ministério Público.
Um "dispositivo de desjudicialização" que constitui "uma forma altamente perigosa de conciliação repressiva", avisam.
Outra falha detectada tem a ver com a adesão "acrítica" dos peritos à Tabela Nacional de Incapacidades, que deveria ser "apenas indicativa".
E questionam-se as "fortes discrepâncias" entre os valores sugeridos inicialmente pelos peritos e os que resultaram de juntas médicas.
A Tabela Nacional de Incapacidades foi revista em 2007 "para pior"... 30 anos de democracia não chegaram para alterar significativamente o papel da sociedade/família-providência em substituição do Estado em Portugal.
A família continua ainda a ser o principal suporte [das vítimas de acidentes].
O Estado-providência português é um dos mais débeis da Europa.
O que pretendemos com este trabalho foi perceber onde estão as fragilidades e desigualdades sociais silenciosas.
Mas se o problema não reside na falta de normas para regular esta área. Onde reside então?
O problema é a prática. Há desigualdades brutais e algumas são menos visíveis.
Qual é o valor financeiro que damos à vida?
Quanto vale um olho, uma mão? Se todos os cidadãos fossem iguais, a lógica levaria a que o valor de um olho fosse igual para todos, mas não é isso que acontece. De facto, o valor dos nossos órgãos, do nosso corpo, da nossa vida, depende do nosso rendimento.
E isto é mais grave numa altura como a actual em que se defende a flexibilidade e a adaptabilidade a um novo trabalho [ao longo da vida].
Então um indivíduo é indemnizado como se fosse ter o mesmo trabalho toda a vida, quando o que se propõe é o contrário?
Nos acidentes de viação, para além dos danos patrimoniais, são calculados os não patrimonais, ao contrário do que acontece nos acidentes de trabalho. Sim. O trabalhador que atravessa uma passadeira e tem um acidente é mais cidadão do que o trabalhador que tiver o mesmo acidente dentro da [sua] fábrica.
E em Portugal há aquilo a que chamamos a justiça automática. Os peritos atrelam-se à Tabela (Nacional de Incapacidades] Profissionais e o tribunal, apesar de esta ser apenas indicativa, diz "faça-se as contas", sem olhar para o sinistrado, para a sua vida, se tem ou não família.
E há vidas destroçadas, histórias de horror.
Temos um caso em que é uma criança de 10 anos que cuida da família depois de a mãe ter sido acidentada.
Há aqui um sofrimento silencioso de pessoas que muitas vezes são abandonadas.
Mas por que motivo é que isto acontece?
Os magistrados não têm grande sensibilidade para estes dramas, os tribunais são lentos e as seguradoras são incríveis em tentar descartar as suas responsabilidades. As seguradoras têm um predomínio enorme e isso é pouco conhecido.
Tiveram uma influência muito grande na definição da Tabela Nacional de Incapacidades. E a lógica é fundamentalmente pagar o menos possível.
Esta é uma situação de desprotecção social pouco visível para a sociedade portuguesa.
A verdade é que a Tabela Nacional de Incapacidades foi revista em 2007. Foi revista para pior. Porque atribui níveis mais baixos de incapacidade a acidentes nas mãos e nos joelhos, que são aqueles que acontecem mais frequentemente.
Depois desta investigação, confesso, até fiquei com medo de ter um acidente de trabalho...
Crise leva empregadores a ponderarem diminuir custos com segurança
O presidente da Associação de Empresas de Segurança no Trabalho (APEMT), Álvaro Viegas, considera que “a crise económica leva sempre a que os empregadores pensem em diminuir os seus custos”. Álvaro Viegas, que vai ser um dos oradores no workshop sobre “Segurança Comportamental”... “teme que esta área, embora legalmente obrigatória, possa passar a ser secundária com prejuízo direto na segurança e na saúde nos trabalhadores”.
http://www.segurancacomportamental.com/?Page=NoticiasPorCategoria&tmp=5
Para o presidente da associação, a segurança comportamental enquadra-se na segurança e saúde no trabalho e decorre dos comportamentos ativos dos trabalhadores e dos empregadores.
No entanto, ressalva que esta temática tem pouco mais de 10 anos e que só agora está a ser "incrementada" nas empresas.
No workshop de hoje será apresentada a primeira revista nacional que visa realçar a segurança comportamental.
As atitudes dos trabalhadores e dos empregadores “são fulcrais” para o sucesso da implementação destes serviços, asseverou o dirigente, e a diminuição dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais é o “objetivo da Estratégia Nacional da Segurança e Saúde no Trabalho apresentada pelo Governo em 2008”, acrescentou.
Álvaro Viegas comentou ainda as medidas apresentadas pelo presidente do PSD, nomeadamente a flexibilização dos contratos de trabalho, asseverando que “não acredita” que essa alteração ao Código do Trabalho “possa contribuir para a desregulação do setor nem fazer perigar os serviços de segurança e saúde no trabalho”. No entanto, acha que o que deve ser acentuado “é o reforço legislativo nesta área, de forma a diminuir os acidentes de trabalho e as doenças profissionais”.
A associação que lidera tem tido a “preocupação de sensibilizar os organismos competentes” para a rápida regulação e credibilidade deste setor, pelo que tem dado “importantes passos neste sentido: com a Lei 102/2009 de 10 de setembro e as sucessivas Portarias que vão regulamentando o sector”.
http://dre.pt/pdf1sdip/2009/09/17600/0616706192.pdf
O presidente da APEMT está “convicto de que esta atividade vai passar por uma fase de maior credibilidade e de confiança junto das empresas empregadoras”. A APEMT é uma associação privada sem fins lucrativos constituída em 2008, cujo objetivo é a representação, a defesa e a promoção dos interesses comuns das empresas de segurança, higiene e saúde no trabalho.
http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/D1B16B1D-4FDF-40DE-B8AD-F47B4FE577B8/0/Lei_102_2010.pdf
Tempo de espera de decisão judicial é dos maiores traumas das vítimas dos acidentes
http://tsf.sapo.pt/PaginaInicial/Portugal/Interior.aspx?content_id=1424761
Mais vale um juiz bom e prudente que uma lei boa. Com um juiz mau e injusto, uma lei boa de nada serve, porque ele a verga e a torna injusta a seu modo."
Código Geral da Suécia, 1734.